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» » » » A cultura da bicicleta tem se difundido no mundo inteiro

No Brasil não é diferente, seja em uma grande capital como São Paulo, seja em uma pequena cidade como Rio do Campo – SC.

Blog em 18/09/2014
Revista Bicicleta por Anderson Ricardo Schörner

Você, adepto da bicicleta, provavelmente já se deparou com situações em que bateu aquela vontade de “dizer umas verdades” para algum motorista. Ou talvez, durante uma pedalada, ao passar por uma fila de carros parados, ficou imaginando porque tantas pessoas ainda não despertaram para a possibilidade de usar a bicicleta como meio de locomoção. Saiba que ao ocupar as ruas com a sua bike, você já deu o primeiro passo para reivindicar segurança aos ciclistas e conquistar mais pessoas para pedalar.

Porque você pedala? Sua lista de motivos deve ser grande e sua relação com a bicicleta deve gerar sentimentos que o motivam a continuar pedalando. Se andar de bike é tão bom, porque tantas pessoas ainda não se deram conta disso? Como conquistá-las?

Por imposição é que não é. Muitos estudos já mostraram que quando uma mensagem é passada através de uma abordagem negativa, cria-se uma barreira para o diálogo e a aceitação, dificultando que as ideias alcancem o efeito esperado. Por isso, não adianta querer obrigar alguém a pedalar. Também não pega bem ser grosseiro ou agressivo com um motorista no trânsito, por exemplo, esperando que ele perceba logo que deveria trocar o carro pela bicicleta.

O negócio está mais para um jogo de sedução. Nesse quesito, a bicicleta tem todas as qualidades necessárias para atrair mulheres, jovens, idosos, executivos ou operários. Cortesia e educação para essa conquista são imprescindíveis. Às vezes, basta uma troca de olhares, como foi com Karen Rodrigues Souto, de Santos – SP: “Quando eu via os ciclistas uniformizados nas ruas eu ficava admirada. Através de uma amiga conheci o Pedal Noturno de Santos e soube que qualquer pessoa podia participar. Hoje, pedalo com o grupo e sei que em breve terei coragem de usar a bicicleta como meio de transporte”. Ela foi conquistada pela bicicleta através de uma ação importante que pode ser copiada em qualquer cidade: os grupos de pedais, uma fonte incrível de fomento à causa da bicicleta.

O pesquisador americano Dale Carnegie investigou algumas formas de abordagem que são positivas e geralmente bem aceitas para conquistar pessoas. Dale é famoso mundialmente por ter sido professor de oratória de Warren Buffett, um dos homens mais ricos do mundo. Buffett afirmou diversas vezes que o curso de Dale mudou a sua vida. Reunimos três desses princípios estudados por Dale, relacionados com ideias e exemplos que têm contribuído para a causa da bicicleta.

A única maneira de ganhar uma discussão é evitando-a
Você está pedalando pela cidade e de repente leva uma fina de um carro. O sinal fecha logo à frente e você para lado a lado com o motorista. O susto e o estresse do momento deixam você tenso: a vontade é de discutir com o motorista, afinal, um acidente poderia ter lhe custado a vida. Mas qual seria o resultado dessa discussão? Provavelmente, o motorista também responderia de maneira grosseira e ainda ficaria com uma imagem não muito boa dos ciclistas, mesmo ele estando errado.

Willian Cruz, cicloativista e redator do site Vá de Bike (vadebike.org), disse que já passou por casos semelhantes no trânsito. Ele afirma que quando tratou o caso com uma abordagem positiva, conseguiu a simpatia e o respeito do condutor do automóvel. “Não sou exemplo de virtude, mas tenho me esforçado para evitar perder a calma nessas situações, pois assim é melhor para mim e para todos os ciclistas que o motorista verá dali em diante. Em uma ocasião, eu voltava à noite pela Pedroso de Moraes, em São Paulo – SP, quase chegando na Faria Lima, quando um carro passou tirando fina de mim. Parou uns cinco metros depois. Respirei fundo para me acalmar. Passei para o corredor, parei do lado do motorista, sorri (é, nem sei como consegui) e falei, calmamente (por fora), para o rapaz que dirigia e levava um amigo como passageiro: ‘Boa noite, tudo bem? Não passa tão perto assim, que se for um ciclista menos experiente o cara cai só de susto...’. O rapaz respondeu: ‘É mesmo, foi mal. Passei muito perto, desculpa’. Continuei: ‘Às vezes a gente tem que desviar de algum buraco, dá uma esquivada com o guidão e numa dessas o carro derruba’. Ele entendeu: ‘É mesmo, né? Tem bastante buraco’. Trocamos mais duas ou três frases sobre os buracos, um problema comum que ajuda a estabelecer uma identificação, e consegui um sorriso dele. Esse certamente vai tomar mais cuidado quando ver o próximo ciclista pela rua”.
Se você começar a discutir com o motorista, é mais provável que ele tente se defender, criando um bloqueio para a mensagem que você gostaria de passar e respondendo com a mesma aspereza. Quando o diálogo começa de uma forma amigável, você consegue se comunicar mais facilmente e por certo chegarão à conclusão de que dividem problemas semelhantes, não estão tão afastados nem são tão diferentes apenas por utilizarem diferentes meios de transporte. Resumo da ópera: a cultura da bicicleta passa a ser difundida de uma maneira positiva, tornando as ruas mais atrativas para quem quiser utilizar a bicicleta, e aquele motorista que recebeu a abordagem positiva do ciclista pode pensar: “Esse trânsito está me deixando estressado e agressivo. Eu quase atropelei um ciclista hoje! E apesar de tudo, o cara foi todo educado e tranquilo comigo... Talvez eu devesse pedalar também”. Um pouco de utopia não faz mal: já pensou conquistar alguém para a bicicleta assim?

Evite apontar os erros dos outros - É comum defender o uso da bicicleta mostrando as falhas e os erros da cultura automobilística. Até certo ponto é válido apontar, por exemplo, como o carro polui, ocupa espaço no trânsito, provoca acidentes e favorece o sedentarismo. O problema é que quando você abordar um motorista com esses argumentos, é mais provável que ele se sinta criticado. A mensagem que ele vai receber é que ele é sedentário e está poluindo, ocupando espaço e provocando acidentes.

Se uma das maneiras de conquistar pessoas é não apontar o dedo para os seus erros, como passar essa mensagem? Kiko Morente, publicitário em São Paulo – SP, escreveu um texto com algumas considerações interessantes sobre isso. A ideia básica é: o discurso deve focar menos no carro e mais na bike. “Quando criticamos o carro estamos na verdade criticando a pessoa que está dentro dele, pois o carro é uma escolha dela”, diz.

Kiko também relembra que campanhas publicitárias focadas no problema tendem a ser menos efetivas do que aquelas que apresentam uma solução. “Por isso, deixe de lado o ‘largue o carro’ e fique só com o ‘Vá de Bike’. Temos que conquistar a mente e o coração do motorista. A bike tem benefícios demais para que a gente faça uma campanha focada nos problemas do automóvel”, afirma.

Essa é uma forma certeira de conquistar mais pessoas para o pedal. Todos estão vendo as consequências do uso indevido do automóvel. Bater nessa tecla é mais do mesmo. O que vai seduzir mais pessoas a pedalar é a imagem da bicicleta como um veículo saudável, sustentável, econômico, humanizador, transformador. 

Ações falam mais alto que palavras - Ainda mais marcante do que ouvir sobre os benefícios da bicicleta é vê-los refletidos no rosto e na disposição dos ciclistas passando por aí. A maioria das “conquistas ciclísticas” acontece assim: alguém vê você em ação e se sente atraído para pedalar também. Além de usar a bike como meio de locomoção, principal forma de fomentar o uso da bicicleta, há passeios organizados por grupos e comunidades com o intuito de propagar a bicicleta para cada vez mais pessoas.
O passeio ciclístico organizado pela Escola de Educação Básica Dr. Fernando Ferreira de Mello, em Rio do Campo – SC é um exemplo de sucesso. Em seu terceiro ano consecutivo, cada vez mais pessoas participam. No primeiro passeio, em 2011, 90 pessoas estiveram presentes. Em 2012, 260 pessoas foram atraídas para o passeio. E em 2013 esse número pulou para 320, mesmo com o tempo chuvoso. Inclusive o prefeito da cidade, Rodrigo Preis, prestigiou o evento pelo segundo ano.
O evento consegue atingir os seus objetivos de promover a integração entre escola e comunidade, despertar o espírito de solidariedade, contribuir para que as pessoas adquiram o hábito de praticar atividades físicas, incentivar o uso da bicicleta como meio de locomoção e criar consciência ecológica. A diretora da escola, Clarisse Becker Felizardo, comemora os resultados. “O evento aproxima bastante a escola da comunidade e o mais bacana é ver famílias inteiras participando. Essa união é muito gratificante. A solidariedade é outro ponto positivo desde a inscrição, já que arrecadamos uma boa quantidade de produtos de limpeza que foram entregues ao Hospital e Maternidade Nossa Senhora Aparecida. Durante o passeio, cria-se um momento de lazer e convivência para toda a comunidade escolar. Além disso, ele tem motivado muitas pessoas a fazerem o uso da bicicleta. Prova disso é o número cada vez maior de participantes a cada ano, e mesmo dia a dia se observa que as pessoas estão usando mais a bicicleta”.
A cirurgiã dentista Maria Angélica Lucca é presença certa nos passeios. Adepta ao estilo de vida ativo, ela participa de corridas há mais de 10 anos. Há cerca de quatro anos, passou a utilizar a bicicleta com mais frequência, realizando cicloviagens e participando de competições e eventos ciclísticos. Ela também se mostra bastante feliz com os resultados do passeio. “Como o evento já está em sua terceira edição, isso mostra que as pessoas do município acolhem bem atividades de integração e interação, basta que sejam proporcionadas. Chama a atenção o fato de ver famílias inteiras pedalando, o que não é comum em nossa cidade. A bicicleta proporciona isso: uma atividade da qual todos podem participar, do avô ao neto”. Ela conta que sua motivação para apoiar e participar do passeio vem dos benefícios que a bicicleta gerou para si própria e da vontade de compartilhar benefícios com a comunidade: “como pedalo há alguns anos, seja procurando usar a bike no cotidiano ou como cicloturista, sinto o quanto isso agregou qualidade de vida para mim. Possibilita benefícios físicos e mentais, pois é uma atividade ao ar livre extremamente relaxante, ainda mais quando pedalo junto à natureza, acompanhada de amigos, tanto os antigos quanto os que invariavelmente são conquistados a cada novo passeio. O ciclismo, talvez mais do que qualquer outro esporte, tem esse poder de envolver as pessoas. Outro motivo de participar é compartilhar a minha experiência, além, claro, de poder contribuir, fazer algo benéfico para a comunidade em que vivo. Como moramos em uma cidade em que é possível o uso diário da bicicleta, vejo nesse evento uma forma de despertar o interesse das pessoas pela atividade física e desfrutar da praticidade que a bicicleta proporciona no cotidiano”.

Rodrigo Preis, 
prefeito de Rio do Campo – SC

“O passeio ciclístico é importante para o nosso município, pois introduz na sociedade a cultura do ciclismo. O hábito traz benefícios à saúde e ao meio ambiente, que ajudam a diminuir o uso de recursos públicos, porque as pessoas ficam mais saudáveis e o ambiente mais limpo. Por tudo isso, parabenizo a iniciativa da escola e dos apoiadores pelo momento diferenciado que foi proporcionado aos nossos cidadãos, e também a todos que participaram do evento. Atualmente, não possuímos um programa de incentivo ao ciclismo, mas já existem várias ideias que estão em estudo para estimular o uso da bicicleta”.
Quem participa de passeios, grupos de ciclismo ou cicloviagens, fica com o desejo de repetir a experiência. Após o passeio organizado pela escola, por exemplo, Maria Angélica passou a convidar amigos para repetirem a dose e pedalar à noite pela cidade, toda a semana. O resultado dessas ações é que vemos cada vez mais pessoas usando a bicicleta, seja por lazer ou como meio de locomoção, reflexos de uma maneira correta de fomentar a causa da bicicleta.
Cabe, aqui, outra reflexão. Suas chances de conquistar respeito são pequenas se você fizer isso de maneira provocativa, baderneira. Por isso, muitos protestos não alcançam o seu objetivo, pois apesar da boa intenção, o que fala mais alto são as ações. É por isso que, ao invés de fechar uma rua ou esbravejar contra quem quer que seja, um passeio organizado, pacífico, trará melhores resultados.

Para finalizar - Praticamente todas as pessoas são potenciais ciclistas, pois sentem prazer em andar de bicicleta. O que falta para muitos é despertar para isso. Conseguir conquistar essas pessoas, que já possuem uma bagagem de concepções formadas a respeito da sua forma de mobilidade e de todos os aspectos que envolvem a cultura automobilística, não é tarefa fácil. Mas partir do ponto de vista do próximo, entendendo suas ideias pré-concebidas e seus preconceitos ajuda na hora de desconstruí-los para apresentar novos valores. Construa pontes, não muros, para conseguir estabelecer uma conexão com as pessoas que divergem do seu ponto de vista.
Fomentar de forma positiva, conciliadora, não confrontante, causa um impacto muito mais harmônico com os ideais e discursos de quem defende o uso da bici. Seria lamentável ver a nobre causa da bicicleta sempre associada a acidentes, protestos e situações que criam um clima desnecessário de enfrentamento e aversão. A bicicleta é muito mais do que uma solução para esses problemas. É saudável, sustentável, elegante, bonita, social, promove a qualidade de vida e a qualidade das cidades que bem a recebem. Essa é a imagem que queremos implantar. Essa é a imagem que facilmente conquistará mais pessoas a pedalar.

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