Investigações do Gaeco apontam que funcionários do órgão faziam “acertos” com empresários que deviam milhões em tributos em troca de propinas que podiam chegar a R$ 200 mil
Reprodução Jornal de Londrina - 06/03/2015
Fábio Calsavara E Fábio Silveira
O suposto esquema de corrupção envolvendo auditores da Delegacia da Receita Estadual em Londrina extorquia empresários de diversas formas, provocando um prejuízo ainda não calculado aos cofres públicos, em impostos que deixaram de ser recolhidos. Em pelo menos dois casos já identificados pela Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, os auditores teriam cobrado propina para dar baixa em dívidas milionárias de empresas. Para isso, eles teriam recebido R$ 200 mil de cada empresário, o que fez com que investigadores ironizassem a situação, questionando se haveria um “tabelamento” da propina. Os empresários que se aproveitaram do esquema para “saldar” suas dívidas com o Fisco serão investigados e terão que dar explicações.
Equipamentos e documentos apreendidos foram levados para a sede do Gaeco em Londrina (Crédito: Roberto Custódio/JL) |
Luiz Antônio de Souza, auditor fiscal da Receita preso em janeiro – o primeiro a cair quando foi deflagrada a investigação sobre favorecimento à exploração sexual de menores –, tem patrimônio estimado em R$ 30 milhões, o que seria incompatível com os seus rendimentos. Em busca de mais provas referentes aos crimes sexuais dos quais Souza é acusado, o Ministério Público apreendeu um computador na casa dele. As informações obtidas chamaram a atenção dos investigadores para o suposto esquema de propina.
O grupo suspeito de atuar no esquema de corrupção teria uma espécie de “lastro político”, o que impedia o seu desmonte ou remoção para outras delegacias da Receita. Secretários da Fazenda não teriam conseguido desmontar o grupo. O deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB), que esteve à frente da pasta entre 2011 e 2013, não quis falar sobre o caso específico de Londrina, mas disse que montou a sua equipe “ouvindo o governador [Beto Richa]”. “Eu fiz a equipe mais técnica possível”, afirmou. “A parte técnica teve que conviver com a política.” Hauly disse ainda que na sua gestão foram implantadas medidas para tornar a fiscalização mais rigorosa e evitar desvios. Sob Hauly, a arrecadação do Paraná cresceu em torno de 60%.
As buscas e apreensões tiveram desdobramento em Curitiba, na sala onde trabalha Márcio Albuquerque de Lima, que foi delegado da Receita Estadual em Londrina e agora é inspetor de fiscalização na capital. Procurada pelo JL no final da tarde de ontem, a assessoria de imprensa da Secretaria da Fazenda não conseguiu informar qual a posição de Lima na hierarquia da Receita Estadual.
A assessoria distribuiu uma nota informando que a Corregedoria da Receita “abriu processo investigatório para apuração dos fatos noticiados e tomará as medidas administrativas cabíveis”. No texto, a assessoria informa que “a Coordenação da Receita do Estado prestará todo o auxílio necessário às autoridades para elucidar os fatos”.
Gaeco cumpriu 50 mandados de busca e apreensão
Para investigar o suposto esquema de corrupção, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) cumpriu ontem 50 mandados de busca e apreensão. Dos 50 mandados, 30 foram cumpridos em Londrina, três deles na sede da Receita Estadual, na Rua Pará. Os demais foram em Curitiba, Rolândia, Bela Vista do Paraíso, Arapongas, Apucarana, Porecatu e Alvorada do Sul, na Região Norte do Paraná. A 2ª Vara de Fazenda Pública de Londrina decretou o bloqueio de bens de mais de 40 pessoas, em um limite de até R$ 10 milhões por pessoa, e quebrou o sigilo bancário e fiscal delas.
Diversos computadores e documentos foram encaminhados à sede do Gaeco para serem analisados. Entre eles, o aparelho de Orlando Aranda, fiscal da Receita Estadual preso pelo Gaeco na última terça-feira. De acordo com o promotor de Defesa do Patrimônio Público Renato de Lima Castro, os mandados foram cumpridos em residências e empresas da região.
“O objetivo desta operação é apreender o máximo de documentos possíveis para verificar uma suposta rede criminosa que utilizava uma sucessão de empresas para aparentar uma legalidade de enriquecimento.”
Castro afirma que além de servidores da Receita Estadual já presos pelo Gaeco – no caso de favorecimento à prostituição – outros fiscais, auditores e até ex-delegados do órgão são investigados no suposto esquema de enriquecimento ilícito.
O Gaeco apreendeu, na manhã de ontem, diversos documentos na residência de um ex-delegado da Receita em Londrina que, atualmente, é auditor do órgão em Curitiba. A mulher do ex-delegado também seria funcionária da Receita Estadual.
“Muitas vezes são agentes que passam a acumular um patrimônio incompatível com a sua renda. Esse é o foco da investigação da Promotoria de Patrimônio Público”, reforçou a promotora Leila Shimidti. Sem detalhar os mecanismos do esquema, a promotora disse que os agentes investigados mantinham empresas em nomes de “laranjas”. “É importante dizer que muitas dessas empresas não têm, necessariamente, uma relação direta com os fatos investigados.”
Prisão de auditor auxiliou investigação
As apreensões de ontem são um desdobramento do caso de favorecimento à prostituição em que três servidores da Receita Estadual em Londrina foram presos. Em janeiro passado, o auditor Luiz Antonio de Souza foi preso em flagrante em um motel de Londrina com uma adolescente de 15 anos. Na ocasião, a polícia encontrou R$ 20 mil em dinheiro em posse do auditor.
No entanto, de acordo com o promotor de Defesa do Patrimônio Público Renato de Lima Castro, apesar de as investigações sobre o esquema de enriquecimento ilícito serem relativamente recentes, o Ministério Público utilizou informações obtidas há algum tempo. “Este é um desencadeamento que há muito tempo nós precisávamos organizar. Eu quero crer que com a estruturação do nosso órgão, o Gaeco, e do próprio Patrimônio Público, a gente consiga chegar onde nós precisamos chegar.”