BRASIL COPA DA FIFA
Pelo menos R$ 4,8 bilhões de dinheiro público foram gastos pelos governos estaduais com as arenas da Copa do Mundo, valor que não inclui pagamentos milionários dos estados a empreiteiras em PPPs.
Estádio do Clube Atlético Paranaense era para ser privado, mas também foi bancado com dinheiro público do governo do Paraná. (Foto: Divulgação/CAP S.A)
Pelo menos R$ 4,8 bilhões de dinheiro público foram gastos pelos governos estaduais com as arenas da Copa do Mundo, valor que não inclui pagamentos milionários dos estados a empreiteiras em PPPs.
Estádio do Clube Atlético Paranaense era para ser privado, mas também foi bancado com dinheiro público do governo do Paraná. (Foto: Divulgação/CAP S.A) |
Amazônia e Pantanal – empréstimos do BNDES pagos com dinheiro público
Dinheiro público garante PPPs da Copa.
As PPPs são uma alternativa para o poder público quando ele não dispõe de capital para conduzir uma obra, quando procura reduzir os gastos dos cofres públicos ou mesmo quando deseja rapidez, explica Francisco Vignoli, professor de Economia da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP). “Hoje, se você considerar as características e especificidades que essas arenas têm, acho que fazer a concessão, desde que bem feita e que represente a possibilidade de o poder público ter o controle excessivo sobre aquilo que está sendo concedido, é uma boa medida”, opina o professor.
É esse, em tese, o caso da Arena Pernambuco, na qual foi firmada uma PPP com empresas do grupo Odebrecht. Na justificativa do governo estadual, que está presente nos relatórios do TCU e do TCE-PE, a parceria resultaria em uma economia de R$ 66 milhões. O representante do estado afirmou ainda que a “qualidade técnica do equipamento e dos serviços a serem prestados, que é de dificílima mensuração, seria, inevitavelmente, melhor alcançada pela modelagem da PPP”.
Entretanto, mesmo o modelo de PPP não eximiu o estado de contrair diversas dívidas: o governo de Pernambuco firmou um empréstimo de R$ 400 milhões com o BNDES, a ser pago até 2027 para ressarcir dois outros empréstimos tomados pelo consórcio que assumiu o estádio. Ainda se comprometeu a pagar, durante 30 anos, contraprestações que podem chegar a R$ 3,9 milhões por ano, reajustáveis de acordo com o IPCA.
O governo de Pernambuco também cedeu um terreno para a Odebrecht, que a empreiteira avaliou que irá render R$ 30 milhões em 10 anos – esse valor foi inclusive utilizado como garantia para fechar a PPP. Fora os três anos dedicados à construção, a concessionária será responsável pela operação da Arena Pernambuco por 30 anos, durante os quais terá direito à receita operacional e a receitas adicionais, das lojas e estacionamento. A obra está orçada em R$ 479 milhões, segundo o TCU.
Para construir a Arena Pernambuco, o governo do estado emprestou R$ 392,8 milhões do BNDES e firmou um contrato de PPP com o grupo Odebrecht. (Foto: Portal da Copa) |
“No final das contas, os estados é que assumiram o custo das obras, só que vão pagar no longo prazo na forma de remuneração para os concessionários”, explica Carlos Sundfeld, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
A situação é semelhante na Bahia, onde a Odebrecht também participa do consórcio vencedor da PPP da Fonte Nova, junto à OAS. O acordo prevê a concessão do estádio por 35 anos, precedida das obras de reconstrução. Para bancar a PPP, a Bahia se endividou em R$ 323,6 milhões com o BNDES, que começaram a ser pagos em fevereiro deste ano e serão liquidados em agosto de 2026.
Após quatro aditivos, o valor do contrato de PPP para a Fonte Nova subiu de R$ 591,7 milhões para R$ 689,4 milhões. A diferença entre os valores (R$ 97,7 milhões) foi paga pelo governo estadual para atender a exigências técnicas da FIFA. Além disso, os cofres públicos baianos irão arcar com uma contraprestação pública de R$ 99 milhões ao ano durante 15 anos, corrigidos pelo IPCA. Segundo o governo, a contraprestação “engloba custo relativo às obras, bem como aqueles relativos à manutenção e operação da Arena, às despesas pré-operacionais, aos encargos financeiros, tributos e remuneração do privado pelas inversões realizadas ao longo do período de concessão”.
Além de R$ 323,6 de dívida com o BNDES e mais gasto de R$ 97,7 milhões, governo da BA terá que arcar contraprestação bilionária para concessionário da Arena Fonte Nova. (Foto: Wikicommons) |
A PPP também pressupõe que, caso a receita estimada no ano para a Fonte Nova não seja atingida (cerca de R$ 23 milhões), o valor que faltar seja completado em partes iguais por Estado e consórcio. Para viabilizar o negócio, o consórcio fechou um acordo com o Bahia, no qual o clube se compromete a mandar 33 jogos por ano na Fonte Nova, e o consórcio paga R$ 9 milhões ao ano ao Tricolor baiano. “No caso da Fonte Nova, somente com o Bahia jogando e com o projeto arquitetônico que foi feito aqui, você não vai conseguir gerar receita o suficiente para cobrir a operação e parte da construção”, afirma o professor Sandro Cabral, da UFBA. “Caso tivesse outro projeto arquitetônico, em que houvesse um shopping atrelado ao empreendimento, se jogassem Bahia e Vitória ali, ela conseguiria ressarcir boa parte dos custos de construção. Mas não foi esse o projeto escolhido pelo governo.”
A Arena Castelão, palco cearense da Copa do Mundo, também foi reformada a partir de um contrato de PPP. Firmado em 2010, o documento define a concessão do estádio por oito anos para o consórcio formado pelas construtoras Galvão Engenharia e Serveng, além da operadora BWA. O contrato define que o governo cearense pague R$ 518,6 milhões ao consórcio pelas obras no estádio e serviços prestados. Esse valor deve ser quitado até o meio de 2018.
Para financiar todo esse montante, o governo cearense recorreu a um empréstimo de R$ 351,5 milhões com o BNDES e completará o restante com recursos diretos do tesouro estadual. O governo terá de 15 de janeiro de 2014 a 15 de dezembro de 2025 para amortizar a dívida contraída com o banco federal.
Castelão deixa o legado de R$ 351,5 milhões em dívidas com o BNDES para o governo do estado do Ceará. (Foto: Portal da Copa) |
O governo do Ceará justificou o negócio dizendo que “a contratação da PPP foi autorizada pelo Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas do Estado, (…) após a análise dos estudos de viabilidade econômico-financeira realizados, embasados na metodologia do PSC – Public Sector Comparator, desenvolvida pela Partnerships Victoria da Austrália. (…) A contratação da PPP é o procedimento mais adequado para o Estado. Ratificamos a necessidade de promover a citada concorrência visando consolidar a realização da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 em nosso Estado, garantindo seu legado econômico e social”.
Para viabilizar a Copa, o Rio Grande do Norte também optou pela PPP e firmou um contrato de concessão administrativa com a Arena das Dunas Concessão e Eventos S/A, em abril de 2011. A empresa, que tem como acionista única a construtora OAS, ficou responsável pela demolição do antigo estádio, além de construir e administrar a Arena das Dunas durante 20 anos. Nesse período, o lucro do estádio será dividido igualmente entre o estado e a concessionária.
O custo previsto da obra era de R$ 350 milhões em 2010. O valor subiu e, em outubro de 2011, a empresa assinou um contrato com o BNDES para emprestar R$ 396.571.000 – que se somaram aos R$ 3,5 milhões de investimento direto do estado, valor previsto no Portal da Transparência.
No caso de Natal, o que chama a atenção é a contraprestação, valor que o estado paga todo mês à concessionária, reajustado anualmente com o IPCA e reduzido progressivamente ao longo da concessão. Segundo Luciano Ramos, procurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte, o custo atualizado da contraprestação é de aproximadamente R$ 10,3 milhões. Ele estima que até 2031, quando acaba o contrato de PPP, o estado pagará, no total, R$ 1,3 bilhão à concessionária – quase três vezes o investimento previsto para o empreendimento no Portal da Transparência.
“O estado do Rio Grande do Norte se endividou ao longo dos próximos anos com a obrigação de pagar mensalmente a contraprestação pecuniária, comprometendo, em valores atuais, 2,4% da Receita Corrente Líquida do estado”, informou o procurador-geral Luciano Ramos. “[O Rio Grande do Norte] atualmente possui inúmeros problemas financeiros que não têm como causa única o endividamento com a Arena das Dunas, porém, direta ou indiretamente, [são] alimentados pelos recursos que são mensalmente canalizados para o estádio, em detrimento de outros gastos prioritários.”
No TCE-RN há um processo específico (nº 11750/2011) para apurar a viabilidade do estádio e a legalidade da PPP, mas a Comissão de Fiscalização e Acompanhamento da Copa 2014 (Cafcopa) ainda não emitiu nenhum relatório sobre o assunto. Outro processo (nº 477/2013) informa que o tribunal estava impedido de investigar irregularidades que prejudicassem o orçamento público porque o projeto executivo apresentado pela concessionária da Arena das Dunas estava pouco detalhado.
Já o TCU alertou, ainda em 2011, no acórdão 843, que os riscos assumidos no contrato de PPP eram assimétricos. O órgão pediu a retirada das cláusulas que obrigavam o estado a arcar com a mudança de preços dos insumos causadas por impactos no mercado financeiro. Para o TCU, esse risco deveria ser assumido pela concessionária. No entanto, isso não aconteceu e o acordo acabou sendo firmado nesses termos.
A reportagem da Pública entrou em contato com a Secretaria da Copa do Rio Grande do Norte (Secopa-RN) no dia 29 de maio para confirmar o custo total das obras, o valor da contraprestação da PPP e por que o estado escolheu este modelo, mas a Secopa respondeu apenas à primeira questão. No dia 3 de junho, a assessoria de imprensa informou que as demais perguntas foram levadas ao secretário Demétrio Torres, “mas infelizmente ele não respondeu”.
Mesmo os estados que não firmaram empréstimos com o BNDES não estão isentos de dívidas resultantes da construção das arenas da Copa. É esse o caso do governo de Minas Gerais que, para ter o Mineirão reformado, firmou uma PPP que, se por um lado, deixou o custo das obras ao encargo da iniciativa privada, por outro exigiu o pagamento de contrapartidas anuais à concessionária Minas Arena até 2037 – um pagamento que justamente busca cobrir parte dos gastos do ente privado com a reforma, dentre eles um empréstimo de R$ 400 milhões tomado pela concessionária junto ao BNDES.
O governo mineiro assumiu dois tipos de contrapartida com o consórcio, formado por Construcap, Egesa e HAP Engenharia. A primeira é uma dívida fixa paga em parcelas mensais decrescentes, que começou em 2013, com R$ 7,7 milhões, e termina em 2022, com R$ 4,2 milhões – valores que serão corrigidos pelo IPCA. A segunda é uma dívida variável que depende do lucro que a Minas Arena obtém com o estádio. Quanto menor a receita do consórcio, estritamente vinculada à média de público, mais o governo paga ao ente privado, e vice-versa. Na pior das hipóteses, segundo documento da Secopa-MG, o governo mineiro pode pagar até R$ 677 milhões à Minas Arena ao final de 27 anos. Na hipótese mais realista, o governo deve transferir R$ 473 milhões.
A Secretaria de Estado do Governo de Minas, que se recusou a conceder entrevista comentando a PPP do Mineirão, informou que a parceria reduziu o custo da obra em R$ 100 milhões em relação ao que teria custado caso fosse realizada pelo governo. O TCE-MG, mesmo após sucessivas ligações da reportagem, recusou-se a comentar a análise que fez do projeto executivo do Mineirão – que é obrigatória para a liberação de mais de 65% do empréstimo do BNDES. A Minas Arena negou-se a divulgar as médias de público ou de faturamento, alegando sigilo.
Para Carlos Sundfeld, da FGV-SP, as construções dos estádios não seriam viáveis se fossem unicamente bancadas pelos entes privados. “Esse negócio é completamente inviável não fosse um cliente que é o estado, que se dispõe a investir recursos do seu orçamento, no curto e no longo prazo, para pagar a construção desse estádio e manutenção a longo prazo. É um custo público assumido pelo país a partir do projeto que foi coordenado pelo governo federal”, acredita. “Saber o que é melhor ou pior depende um pouco da situação do estado, se ele tem dinheiro disponível ou não tem, se os juros são bons ou ruins… Mas o grosso da remuneração do concessionário vem do estado.”