O mosquito e a doença não estão mais confinados ao verão. Entenda por que avançaram no calendário e o que se tem feito para barrá-los
Há um zum-zum-zum paradoxal no ar. O Ministério da Saúde anunciou uma redução de 67% na incidência de dengue no país entre janeiro e maio de 2014, em comparação com o mesmo período do ano passado. Nos noticiários, porém, os casos da infecção se multiplicaram, especialmente no Sudeste, onde cidades paulistas chegaram a decretar estado de alerta. Campinas, por exemplo, já bateu o recorde de episódios, ultrapassando os até então insuperáveis índices de 2007. "Quem está na linha de frente sabe que vivemos uma epidemia", afirma o infectologista Artur Timerman, do Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo, outro município em briga feia com a dengue, que afeta tanto os bairros mais ricos como os carentes.
Ora, se os números oficiais são otimistas, por que os especialistas andam tão preocupados?
A resposta ao dilema se divide em três pontos-chave. O primeiro deles é o clima, que ajuda a entender por que a dengue não está mais restrita a verões quentes e chuvosos. Com as estações cada vez menos previsíveis, não dá para dizer com tanta certeza quando o mosquito Aedes aegypti vai atacar com tudo. "Hoje observamos um aumento da temperatura mínima do dia e os invernos não têm sido tão frios. Isso interfere nos padrões de vida do vetor, inclusive em cidades que nunca precisaram se importar muito com ele", explica o meteorologista Marcelo Corrêa, da Universidade Federal de Itajubá, em Minas Gerais.
Umidade, chuva e temperaturas mais altas, como se sabe, são as condições ideais para ampliar a população do inseto. Só que este foi um ano atípico no Sul e no Sudeste do país, com pouca água caindo do céu durante o verão. "Daí que o ciclo da dengue foi atrasado e o período de ascensão e ápice, que normalmente ocorre entre dezembro e abril, se deslocou", aponta Timerman. Resumo: a epidemia estourou no outono.
O segundo ponto é o já conhecido crescimento desordenado das cidades. Até 2020, calcula-se que 90% da população brasileira viverá em centros urbanos. Com muito asfalto e obras pelas ruas, a água da chuva não tem para onde correr. Somam-se a isso as deficiências com saneamento básico e a má distribuição dos recursos hídricos e tem-se um quadro pintado a favor do mosquito. "Com a ameaça de falta de água em São Paulo, muita gente também passou a armazená-la em casa de maneira equivocada", acrescenta o infectologista José Ribamar Branco, do Hospital São Camilo, na capital paulista.
O terceiro aspecto que influi nas contas do ministério é a subnotificação, os casos reais não identificados. Mesmo quando alguém com suspeita de dengue vai ao hospital, o teste de confirmação demora para ficar pronto. Muitas vezes, o sujeito vai pra casa e ninguém confirma o resultado depois - e, aí, não entra mesmo nas estatísticas oficiais.
O transmissor da dengue também tem seu (de)mérito na história. Isso porque, apesar dos esforços renovados a cada ano, o mosquito vem se adaptando às condições socioambientais a fim de propagar sua espécie e o vírus. Com menos de 1 centímetro de comprimento, o Aedes aegypti é um expert em sobrevivência. A fêmea só precisa copular uma vez a fim de garantir descendentes durante toda a sua vida. "Ela coloca, a cada quatro dias, 100 ovos, capazes de sobreviver a meses de seca esperando o momento certo para eclodir", explica Denise Valle, bióloga do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. O sangue coletado a cada picada é essencial para o inseto assegurar sua reprodução - é que, sem ingeri-lo, a fêmea não consegue botar seus ovos. Por essas e outras, a alta densidade demográfica e o caos urbano proporcionam um banquete e um berçário para a população do vetor.
CAÇA AO MOSQUITONa ausência de uma vacina aprovada contra o vírus da dengue, não há outro jeito de vencer a epidemia a não ser combater o numeroso exército de seres voadores. Nesse campo, táticas antigas são adaptadas e novas estratégias são desenvolvidas em laboratório. Da agricultura veio a ideia de recorrer aos insetos transgênicos. O método, inspirado no combate às pragas do campo, esteriliza machos por meio da manipulação genética e os libera aos milhares no habitat. As parceiras que os escolhem para copular acabam se dando mal, pois não são fecundadas. "O problema é que os mosquitos modificados perdem para os originais na competição pelas fêmeas, o que exige a reintrodução periódica desses espécimes na natureza", analisa Denise.
O Instituto Oswaldo Cruz começou a testar em alguns bairros cariocas outra abordagem, idealizada na Austrália. Em laboratório, pesquisadores contaminam mosquitos com uma bactéria que diminui sua expectativa de vida, bem como a capacidade de transmitir o vírus de geração em geração. Os bichos modificados são, então, soltos no meio ambiente. "Se há o cruzamento com um macho também infectado, os ovos nem se desenvolvem. E, mesmo que só a fêmea carregue a bactéria, os filhotes vivem menos", conta Denise, uma das envolvidas no projeto. Tem mais: os Aedes aegyptis portadores da bactéria dificilmente conseguem contrair o vírus da dengue na natureza.
No entanto, não dá para deixar a responsabilidade apenas nas costas dos mosquitos transgênicos - e das autoridades. Todo mundo tem de se mexer, checando semanalmente se a sua casa pode abrigar criadouros, bem como alertar as prefeituras sobre eventuais locais de risco. "Além das medidas públicas de saneamento básico, a população precisa estar mais consciente e participar de forma ativa do processo", afirma Ribamar Branco. Se até mudanças climáticas conspiram em prol da dengue, qualquer atitude faz diferença se quisermos freá-la.
EM BUSCA DA VACINA PERFEITA
Um imunizante contra os quatro tipos do vírus está na reta final de desenvolvimento
A principal candidata a primeira vacina antidengue do planeta, da farmacêutica Sanofi Aventis, se encontra na última fase de estudos, depois de ser aplicada em milhares de pessoas, inclusive no Brasil. Até agora, demonstrou uma eficácia de 56%, algo criticado pelos especialistas, uma vez que não garantir quase 100% de proteção ante os quatro tipos do vírus poderia predispor complicações aos imunizados que vivem em áreas endêmicas. "É possível que a vacina esteja no mercado a partir do ano que vem", diz Sheila Homsani, gerente médica da Sanofi. O Ministério da Saúde brasileiro endossa duas pesquisas com fórmulas alternativas - uma no Instituto Butantan (SP) e outra na Fundação Oswaldo Cruz (RJ) - com previsão de conclusão de cinco anos.
Ora, se os números oficiais são otimistas, por que os especialistas andam tão preocupados?
A resposta ao dilema se divide em três pontos-chave. O primeiro deles é o clima, que ajuda a entender por que a dengue não está mais restrita a verões quentes e chuvosos. Com as estações cada vez menos previsíveis, não dá para dizer com tanta certeza quando o mosquito Aedes aegypti vai atacar com tudo. "Hoje observamos um aumento da temperatura mínima do dia e os invernos não têm sido tão frios. Isso interfere nos padrões de vida do vetor, inclusive em cidades que nunca precisaram se importar muito com ele", explica o meteorologista Marcelo Corrêa, da Universidade Federal de Itajubá, em Minas Gerais.
Umidade, chuva e temperaturas mais altas, como se sabe, são as condições ideais para ampliar a população do inseto. Só que este foi um ano atípico no Sul e no Sudeste do país, com pouca água caindo do céu durante o verão. "Daí que o ciclo da dengue foi atrasado e o período de ascensão e ápice, que normalmente ocorre entre dezembro e abril, se deslocou", aponta Timerman. Resumo: a epidemia estourou no outono.
O segundo ponto é o já conhecido crescimento desordenado das cidades. Até 2020, calcula-se que 90% da população brasileira viverá em centros urbanos. Com muito asfalto e obras pelas ruas, a água da chuva não tem para onde correr. Somam-se a isso as deficiências com saneamento básico e a má distribuição dos recursos hídricos e tem-se um quadro pintado a favor do mosquito. "Com a ameaça de falta de água em São Paulo, muita gente também passou a armazená-la em casa de maneira equivocada", acrescenta o infectologista José Ribamar Branco, do Hospital São Camilo, na capital paulista.
O terceiro aspecto que influi nas contas do ministério é a subnotificação, os casos reais não identificados. Mesmo quando alguém com suspeita de dengue vai ao hospital, o teste de confirmação demora para ficar pronto. Muitas vezes, o sujeito vai pra casa e ninguém confirma o resultado depois - e, aí, não entra mesmo nas estatísticas oficiais.
O transmissor da dengue também tem seu (de)mérito na história. Isso porque, apesar dos esforços renovados a cada ano, o mosquito vem se adaptando às condições socioambientais a fim de propagar sua espécie e o vírus. Com menos de 1 centímetro de comprimento, o Aedes aegypti é um expert em sobrevivência. A fêmea só precisa copular uma vez a fim de garantir descendentes durante toda a sua vida. "Ela coloca, a cada quatro dias, 100 ovos, capazes de sobreviver a meses de seca esperando o momento certo para eclodir", explica Denise Valle, bióloga do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. O sangue coletado a cada picada é essencial para o inseto assegurar sua reprodução - é que, sem ingeri-lo, a fêmea não consegue botar seus ovos. Por essas e outras, a alta densidade demográfica e o caos urbano proporcionam um banquete e um berçário para a população do vetor.
CAÇA AO MOSQUITONa ausência de uma vacina aprovada contra o vírus da dengue, não há outro jeito de vencer a epidemia a não ser combater o numeroso exército de seres voadores. Nesse campo, táticas antigas são adaptadas e novas estratégias são desenvolvidas em laboratório. Da agricultura veio a ideia de recorrer aos insetos transgênicos. O método, inspirado no combate às pragas do campo, esteriliza machos por meio da manipulação genética e os libera aos milhares no habitat. As parceiras que os escolhem para copular acabam se dando mal, pois não são fecundadas. "O problema é que os mosquitos modificados perdem para os originais na competição pelas fêmeas, o que exige a reintrodução periódica desses espécimes na natureza", analisa Denise.
O Instituto Oswaldo Cruz começou a testar em alguns bairros cariocas outra abordagem, idealizada na Austrália. Em laboratório, pesquisadores contaminam mosquitos com uma bactéria que diminui sua expectativa de vida, bem como a capacidade de transmitir o vírus de geração em geração. Os bichos modificados são, então, soltos no meio ambiente. "Se há o cruzamento com um macho também infectado, os ovos nem se desenvolvem. E, mesmo que só a fêmea carregue a bactéria, os filhotes vivem menos", conta Denise, uma das envolvidas no projeto. Tem mais: os Aedes aegyptis portadores da bactéria dificilmente conseguem contrair o vírus da dengue na natureza.
No entanto, não dá para deixar a responsabilidade apenas nas costas dos mosquitos transgênicos - e das autoridades. Todo mundo tem de se mexer, checando semanalmente se a sua casa pode abrigar criadouros, bem como alertar as prefeituras sobre eventuais locais de risco. "Além das medidas públicas de saneamento básico, a população precisa estar mais consciente e participar de forma ativa do processo", afirma Ribamar Branco. Se até mudanças climáticas conspiram em prol da dengue, qualquer atitude faz diferença se quisermos freá-la.
EM BUSCA DA VACINA PERFEITA
Um imunizante contra os quatro tipos do vírus está na reta final de desenvolvimento
A principal candidata a primeira vacina antidengue do planeta, da farmacêutica Sanofi Aventis, se encontra na última fase de estudos, depois de ser aplicada em milhares de pessoas, inclusive no Brasil. Até agora, demonstrou uma eficácia de 56%, algo criticado pelos especialistas, uma vez que não garantir quase 100% de proteção ante os quatro tipos do vírus poderia predispor complicações aos imunizados que vivem em áreas endêmicas. "É possível que a vacina esteja no mercado a partir do ano que vem", diz Sheila Homsani, gerente médica da Sanofi. O Ministério da Saúde brasileiro endossa duas pesquisas com fórmulas alternativas - uma no Instituto Butantan (SP) e outra na Fundação Oswaldo Cruz (RJ) - com previsão de conclusão de cinco anos.
Os fatores por trás da expansão do problema no país, de acordo com a região:
Tipo de vírus: Os quatro subtipos circulam pelo país e costumam se alternar na predominância periodicamente. Neste ano, 60% dos casos foram deflagrados pelo dengue 4;
Criadouros: O mosquito gosta de lugar cheio de gente e precisa de água parada para se reproduzir. Lixões e caçambas, córregos, caixas-d’água destampadas e depósitos domiciliares (vasos, brinquedos..) constituem seu ambiente perfeito.
Clima: Alta temperatura, umidade do ar e chuvas frequentes contribuem para o vetor se espalhar. Mas, com as atuais variações climáticas e a capacidade de se adaptar do inseto, está mais difícil prever por onde e quando ele vai avançar.
CIDADES CAMPEÃS EM INCIDÊNCIA DE DENGUE (2013)1º - Belo Horizonte/MG
2º - Rio de Janeiro/RJ
3º - Manaus/AM
4º - Brasília/DF
5º - Cuiabá/MT
TEMPERATURA18°C - 32°C ideal para o mosquito sobreviver
24°C - 28°C ideal para ele se reproduzir
Criadouros: O mosquito gosta de lugar cheio de gente e precisa de água parada para se reproduzir. Lixões e caçambas, córregos, caixas-d’água destampadas e depósitos domiciliares (vasos, brinquedos..) constituem seu ambiente perfeito.
Clima: Alta temperatura, umidade do ar e chuvas frequentes contribuem para o vetor se espalhar. Mas, com as atuais variações climáticas e a capacidade de se adaptar do inseto, está mais difícil prever por onde e quando ele vai avançar.
CIDADES CAMPEÃS EM INCIDÊNCIA DE DENGUE (2013)1º - Belo Horizonte/MG
2º - Rio de Janeiro/RJ
3º - Manaus/AM
4º - Brasília/DF
5º - Cuiabá/MT
TEMPERATURA18°C - 32°C ideal para o mosquito sobreviver
24°C - 28°C ideal para ele se reproduzir
Blog em 14/08/2014