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» » » » BRASIL | ESTILO | Tenho 32 anos, um bom emprego e odeio ir à academia, mas vou voluntariamente

O relato desesperado em primeira pessoa sobre a escravidão dos tempos atuais: o culto ao corpo

     -     por JUAN SANGUINO, do El País Brasil publicado 18/07/2016
Tenho 32 anos e há 4 vou à academia, três vezes por semana, 90 minutos por dia. E odeio cada um desses 90 minutos. Sofro, meus braços doem quando faço musculação. Sempre acreditei que todo mundo odeia essa prática em silêncio, mas que é um sacrifício, como se alimentar de maneira saudável (nunca vou me convencer de que as pessoas gostam de comer couve-flor) e fazer horas extras, que acabamos assimilando. Mas o fato é que não, existem pessoas convencidas de que gostam de ir à academia e que sua vida é melhor lá do que ficando em casa. Estou há 4 anos esperando finalmente liberar as benditas endorfinas que fazem com que o esporte torne você uma pessoa mais feliz. Mas nada acontece. São outras as coisas que me fazem feliz, como por exemplo ficar no sofá nos dias em que não vou à academia.
Mesmo me parecendo algo óbvio, precisei me certificar muitas vezes. Encontro um amigo, ele me conta que acaba de se matricular na academia e que isso mudou sua vida. Vai todos os dias e alterna o “treino” (musculação é uma palavra malvista, ao que parece) com crossfit e eletrofitness. Meu amigo fica 45 minutos falando disso, mas continuo convencido de que o eletrofitness são descargas elétricas, lobotomias para os pneuzinhos, em sessões de 20 minutos que pelo jeito são milagrosas. Devem ser: custam 50 euros (180 reais) cada uma.
O mundo do 'fitness' parece me dizer 'vá embora, não queremos você' e, entretanto, continuo aqui, desejando secretamente ter nascido 20 anos atrás e pertencer ao modelo de beleza que achava bonito a barriguinha
Dois meses depois encontro esse mesmo amigo e o assunto da academia não sai da conversa. “Ah, não vou mais”, ele confessa casualmente: “Nunca gostei de ir”. E nesse momento me dou conta de que meu amigo realmente acredita que eu gosto.
A cultura da academia está em pleno apogeu no Brasil. Desde que as marcas esportivas conseguiram convencer a massa de que o culto ao corpo também é algo másculo, 75% dos homens que praticam esporte começam antes dos 15 anos. Eu comecei aos 28, de modo que estou prejudicado por 13 anos de musculação perdidos que nunca recuperarei. O ponto está em tornar épico uma ação tão monótona como levantar pesos.
A publicidade nos diz para sermos mais humanos, o que é ofensivo e um pouco supremacista. Outro dia um anúncio do YouTube me chamava de “campeão” para me convencer a comprar um contorno de olhos. E aprendi que quando alguém me chama de “campeão” é porque estou fazendo alguma coisa bem-feita.
Sempre que vou à academia percebo que efetivamente existem pessoas que quando fazem musculação estão convencidas de que estão alcançando a glória. Às vezes filosofo e penso que, após passar uma década em que tudo são mudanças e melhoras em sua vida (entre os 20 e os 30), você chega aos trinta e se dá conta de que sua vida será bastante previsível a partir de agora. Como continuar se superando? Correndo mais rápido. Saltando mais alto. Levantando mais peso. Eu não suporto correr. Sempre me pareceu que é simplesmente uma forma de se chegar mais rápido aos lugares, mas de repente parece que é um modo de vida. “Tenho o hobby de passear, viajar e correr”, dizem as pessoas.
Para começo de conversa, todo mundo gosta de passear e viajar: me nego a vê-los como hobbies. Mas correr? Esse é o seu hobby? Sim. No Brasil eventos de corrida têm crescimento de 35% ao ano. E também existem pessoas que colocam fotos no Instagram tiradas na praia com o texto: “Aqui, sofrendo”. Não, amigo. Sofrendo está quem aproveitou o feriado de Corpus Christie para correr uma meia maratona no Rio de Janeiro.
Se pensarmos friamente, não faz sentido você mesmo buscar sua própria dor física
Na vida precisamos enfrentar muitos castigos. Se pensarmos friamente, não faz sentido você mesmo buscar sua própria dor física. Mas aqui estou, quatro anos depois, indo à academia três vezes por semana. Algo bom deve ter. Não me faz sentir melhor, só estou mais em forma. Não tenho um corpaço e já admiti que nunca o terei. Sou dessas pessoas que no inverno ninguém diz que vai à academia, mas não faço feio no verão. Depende muito da postura que adoto, de fato. Mas em minha academia existem verdadeiros monstrengos que me fazem sentir como uma larva.
Como chegaram nesse ponto? Indo à academia muito mais do que eu, é claro. Dá para notar porque são todos amigos entre si e se chamam de “parça”. Talvez tomem suplementos, não sei (sei sim), mas essas poções não são para mim. Barrinhas pré-treino me deram taquicardia e proteína em pó me deu diarreia. E tenho a paranoia de que dentro de 50 anos se descobrirá que essas substâncias são nocivas aos rins ou algo parecido. O mundo do fitness parece me dizer “vá embora, não queremos você” e, entretanto, continuo aqui, desejando secretamente ter nascido 20 anos atrás e pertencer ao modelo de beleza que acha bonito: a barriguinha.
E continuo indo pela mesma razão que o faz continuar no ponto de ônibus após esperar meia hora. Porque com todo o tempo investido, seria uma pena jogá-lo todo para o alto. Esse é o perverso círculo vicioso das academias: uma vez que você obtém resultados, será seu escravo para sempre. Uma vez conseguindo entrar em todas as suas roupas, como voltar à flacidez? Sei o que me espera na outra esquina, mas veja, se esse senhor de 60 anos continua fazendo musculação e jogando os pesos no chão como se estivessem em chamas, talvez eu também me aposente na academia. Até poderia ir todos os dias. Porque todo mundo sabe como é útil estar sarado aos 60 anos. Não?
Não me faz sentir melhor, só estou mais em forma. Não tenho um corpaço e já admiti que nunca o terei. Mas em minha academia existem verdadeiros monstrengos que me fazem sentir como uma larva
A utilidade. Esse é o ponto. Segundo uma pesquisa publicada pelo Ministério da Educação, Cultura e Esporte da Espanha, o “exercício intenso” (que acredito ser a musculação pesada) ocupa somente o quinto lugar entre os esportes praticados no país. Na frente estão o ciclismo, a natação, a caminhada e a corrida. Atrás, o “exercício suave”, que eu diria que é a zumba.
O que me veio à cabeça foi a lista de motivações das pessoas para praticar esporte. Atenção: estar em forma (ok), se divertir (então, não), motivos de saúde (certeza de que esse é a natação), gosto pelo esporte, relações sociais (todos nós gostamos de ser chamados de “parça”), superação pessoal, espírito competitivo e, finalmente, por motivos profissionais. É isso. Nenhum sinal de “quero ficar mais atraente fisicamente”. Eu me recuso a acreditar.
A favor de minha teoria, a mesma pesquisa diz que a grande maioria dos usuários mente quando é perguntada sobre a frequência com que vai à academia, afirmando que o número real de sessões é 50% do que as pessoas dizem fazer. De modo que esses dados motivacionais para ir à academia, tirados de um mundo ideal em que ninguém é superficial, são tão falsos como os das pesquisas eleitorais de boca de urna. Ir à Academia é o Podemos (referência ao partido espanhol, que nas últimas eleições teve uma votação muito inferior ao número das pesquisas) do esporte. As pessoas mentem.
As pessoas vão à academia, entre outras coisas, para conseguir um corpo melhor, ser o líder do rebanho e paquerar. É uma fraqueza reconhecê-lo? A estética é um fator tão essencial na cultura da academia que a falsidade dessa pesquisa é aviltante. Vamos pelo menos reconhecer, rapazes: você cria peitorais e acaba gostando deles.
Se não é assim, por que as pessoas vão tão arrumadas à academia? Tem gente que coloca camisetas que eu uso para sair. Outros vão com roupa tão apertada e fluorescente que me lembram Ned Flanders (sim, o personagem dos Simpson) esquiando. Existem garotas que não suam, só brilham com luz própria e saem mais bonitas do que quando entraram.
Esse é o perverso círculo vicioso das academias: uma vez que tenha conseguido resultados, será seu escravo para sempre
A reafirmação social é a base da vida de academia. O escritor Chuck Palahniuk (autor, entre outros livros, do romance O Clube da Luta) conta em suas memórias que quando começou a ir à academia percebeu que era um exercício profundamente solitário e por isso existem tantos espelhos. Como a árvore que cai silenciosa no Amazonas, ninguém está sarado se ao redor não há pessoas para admirá-lo. Mas não é divertido, não é uma piada entre amigos.
40% dos espanhóis praticam esporte, 5 milhões vão à academia e a metade da população afirma que pratica esporte uma vez no trimestre. A metade dos inscritos abandona a academia depois de seis meses, certamente após cinco meses e meio sem ir, mas não importa porque nossa sociedade continua gerando adolescentes dispostos a atrofiar seu crescimento em troca de abdominais que alguém deveria dizer a eles que não precisam fazer.
“Não faça isso, fuja”, tenho vontade de dizer a esse novo incauto que está a ponto de molhar as calças pelo esforço ao levantar halteres. Mas não o faço. E me aparece pela frente um homenzarrão/monitor com as pernas depiladas que o aconselha a não dobrar tanto as costas. É o ciclo da vida. No Rei Leão, Mufasa promete a Simba que, se fizer tudo direito, será o rei de tudo o que a luz banha. Nesse momento imagino a minha mãe e sua frase preferida: “Então se o fulaninho se jogar da ponte você também se joga?”. Sim mamãe, acho que ficou bem claro que sim.

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