Aessa altura você já está sabendo: depois de muita briga e negociação, o Marco Civil da Internet foi aprovado na Câmara dos Deputados. O projeto de lei, discutido desde 2009, quer determinar direitos dos usuários e o papel dos governos e das empresas em relação à internet. Ok, na teoria parece interessante. Mas e na prática? O que pode mudar para os brasileiros que usam a internet?
A história do Marco Civil é longa. Ele foi pensado como uma resposta à Lei Azeredo, um projeto que queria armazenar dados de navegação e identificação dos usuários para combater crimes digitais - o projeto, de tão restritivo às liberdades dos usuários, acabou apelidado de AI-5 digital. Surgiu então a ideia de propor um marco legal que primeiro definisse os direitos básicos dos usuários - privacidade, liberdade de expressão etc. O Marco Civil foi proposto em 2009 e discutido em consulta pública em 2010. Depois, com base nas contribuições populares, uma equipe fechou o primeiro texto que foi encaminhado para votação na Câmara, em 2012.
Lá começou uma grande batalha. Só naquele ano o relator do projeto, Alessandro Molon (PT-RJ) tentou sem sucesso votar o projeto sete vezes. Veio 2013 e o ano terminou da mesma forma: sem consenso para aprovar o projeto. É que vários pontos geraram muita briga e disputa política - o principal deles foi a neutralidade de rede, que sofria forte oposição do setor de telecomunicações (e, consequentemente, de boa parte dos deputados).
Para viabilizar a votação do projeto - que foi colocada em urgência no final do ano passado pela presidente Dilma Rouseff, e, por isso, passou a bloquear as outras votações da Câmara -, houve várias modificações no texto.
Saiba o que diz o Marco Civil da Internet que foi aprovado:
Neutralidade de rede O principal ponto da briga foi mantido. Você já ouviu falar de traffic shaping? Isso acontece quando os provedores de internet reduzem a velocidade de acesso a sites com YouTube, por exemplo, que consomem mais banda. Já viu que, em outros países, empresas de internet bloqueiam o acesso a redes de troca de arquivos P2P? Já reparou que algumas empresas brasileiras de internet estão começando a oferecer pacotes em que acesso ao Facebook é grátis (mas é preciso pagar pelos outros conteúdos)? Então: todos esses exemplos são violações da neutralidade de rede e ficam proibidos no Marco Civil. A lei determina que todos os usuários devem acessar o mesmo conteúdo na internet, da mesma forma, sem a venda de pacotes de conteúdo a preços diferenciados. Há exceções (técnicas e emergenciais, por exemplo) e elas deverão ser regulamentadas pelo governo federal, através de decreto, com a colaboração da Anatel e do Comitê Gestor de Internet.
Privacidade: tira-põe-e-deixa-ficar Depois de várias mudanças no texto, o Marco Civil determina que os provedores de acesso guardem registros de conexão dos usuários (IPs e horários de acesso, por exemplo) pelo prazo de um ano. Empresas de internet, como Facebook, Google e Whatsapp, devem armazenar os dados os usuários por seis meses. O conteúdo das mensagens só poderá ser acessado com ordem judicial. Provedores de internet, como a Net e a GVT, não podem armazenar e monitorar histórico de navegação e informações dos usuários. Só que há uma exceção que tem preocupado analistas: autoridades administrativas "que tenham competência legal" podem acessar dados cadastrais (nome e endereço, por exemplo) dos usuários tanto de provedores de acesso quanto de serviços online, sem precisar da autorização de um juiz. Depois de toda a briga, o governo também recuou e retirou do texto o artigo que obrigaria empresas a hospedarem dados em servidores no Brasil.
Responsabilidade dos provedores Isentos, mas nem tanto. As empresas de internet ficarão isentas de responsabilidade sobre o conteúdo postado pelos usuários. Por exemplo: se você postar uma reclamação contra uma empresa no Facebook, a responsabilidade sobre aquele conteúdo será sua - e não do Facebook. Parece óbvio, mas hoje empresas como Google e Facebook recebem muitos pedidos de remoção de conteúdo e, ameaçadas de serem processadas, podem optar por apagar blogs ou posts. A ideia é que, com o Marco Civil, as empresas fiquem protegidas: elas só serão responsabilizadas se não tirarem o conteúdo do ar após uma ordem judicial. Há exceções: no caso de pornografia infantil, ou imagens sexuais sem consentimento, por exemplo, as empresas terão responsabilidade. E em casos de conteúdos piratas também (o assunto deverá ser discutido depois, na Reforma da Lei de Direitos Autorais).
Juizados especiais Uma das críticas ao Marco Civil foi a de que ficaria difícil para uma pessoa comum pedir a remoção de um conteúdo ofensivo sem entrar na justiça. O novo texto prevê que questões relacionadas à honra e à reputação deveráo ser tratadas em juizados especiais (onde não há a necessidade de um advogado). Uma das críticas a esse mecanismo, no entanto, é que ele pode provocar uma enxurrada de pedidos de remoção de conteúdo.
Leia aqui o relatório completo. O Marco Civil da Internet segue agora para discussão no Senado.
Blog, em 27/03/2014, com revistagalileu.globo.com